Análise psicológica do filme A ÁRVORE DA VIDA, de Terrence Malik, escrita pela querida psicóloga, Eliane de Almeida. Psicoterapeuta há mais de 43 anos e criadora da Fórmula Psíquica©. Você pode conhecer mais sobre o trabalho dela no Instagram: https://www.instagram.com/psicologaelianedealmeida/
ANÁLISE PSICOLÓGICA – A ÁRVORE DA VIDA
Adentrar numa visão focalizada, a psicológica, em um filme que pretende transmitir de forma experimental e sensorial a grandiosidade da existência da vida, pressupõe incorrer em limitações. Porém, algumas das verdades incontestáveis acerca da vida, são que ela é, limitada, transitória e dinâmica. Dentre as eternas inquietações existenciais da humanidade, existem perguntas que sempre pairaram e continuarão a pairar, em nosso universo interior. Desde, qual é o sentido da vida? Até, de onde viemos e para onde iremos?
Usando artimanhas de natureza dual, que rege a existência humana, seu diretor arquiteta incursões em dicotomias entre o bem e o mal. Entre a natureza e o divino. Entre percepções diferenciadas sobre a origem da vida. Passando pelo Criacionismo, o Evolucionismo, a Natureza, o Big Bang. Oferecendo assim um transe vivencial provocado pela beleza das imagens e todo o conteúdo real e simbólico das mesmas. Uma riqueza de percepções e elaborações subjetivas, que alimenta a alma e faz com que ninguém passe incólume pelo filme. Tudo isto no campo da percepção da origem e sentido da vida.
No simbólico, o convite é para uma viagem na grandeza do universo, na leveza da imensidão incomensurável da luz, que evoca o Divino, que procura a alma e o transcendente. Mais uma vez, a polarização e a dualidade, remete-nos, em oposição, às profundezas e cicatrizes da terra. Convulsionando em explosões, fogo, labaredas do instinto, transformando-se em sangue correndo como em veias abertas, fecundando a terra. A água que transborda em força gigantesca lavando a crosta terrestre, acolhendo a vida e inebriando os sentidos. A leveza das energias que evocam a alma, contrastando com a intensidade das energias que emergem das profundezas dos instintos, pretendem, dimensionar por onde navegamos nós mortais. Limitados e pequenos diante de toda esta grandiosidade. Por isto mesmo, podemos concluir como é complicada a existência humana, nesta tarefa árdua de harmonizar toda a extensão dual destas grandiosas pulsões de energias polarizadas e complementares.
Porém, o diretor quis ir, mais além, destas experiências sensoriais e existenciais. Traduziu a vida humana como ela é, dentro de nosso atual estágio evolutivo. Pequenos dentro das prisões de nossas limitações recorrentes. A história narrada acerca da família de Jack, é a história de outras tantas milhares de famílias, naquela ou em qualquer outra época, que vivem seu drama familiar, com reflexo nocivo direto na construção do indivíduo.
A trama familiar revela nossa parca evolução, onde ficam claríssimas nossas incapacidades como humanos. Não sabemos como nos comunicar. Não sabemos como expressar nossas emoções. Não aprendemos a vivenciar e desenvolver nossa capacidade inata para o amor. Não sabemos exercer de forma sábia nossos papeis parentais (sermos pais e mães), para contribuir de forma saudável na construção de um indivíduo também saudável e livre. Assim, ficamos relegados ao desejo fantasioso de uma libertação redentora, através de uma transcendência que nos chega como que por milagre. Sem que façamos nenhum esforço evolutivo, para atingir tal estágio tão desejado. Neste campo nascem os gurus, vendedores de ilusões, hoje disseminados em nosso cotidiano como uma grande praga, com um papel social tão deletério à humanidade.
Jack tem um pai frustrado, autoritário, que se vincula com sua família não pelo amor, mas sim pelo medo, pela ameaça e pela projeção maciça em todos os seus membros, de sua sombra (seus instintos não evoluídos). Sua mãe retratada como a detentora da grandiosidade do amor incondicional, e do espelho divino na terra, está muito longe desta façanha. Sua diminuta capacidade para o amor incondicional, faz dela uma mãe omissa, que desprotege sua prole. Uma mulher submissa, na qual, restam apenas realizações fantasiosas de imagens de liberdade e transcendência. Por isso mesmo, por sua incapacidade de amar incondicionalmente, que o mal (a sombra de seu pai), teve maior influência no psiquismo de Jack, que o introjetou e posteriormente o repetiu em sua vida.
Os filhos, dentre eles Jack, descobrem a vida através das mensagens subliminares das condutas viciadas e destrutivas de seus pais. Jack descobre o amor e o ódio. A fé e a desesperança. Descobre vivendo na pele, a intensidade vital entre o bem e o mal. Fantasia e quase realiza estas descobertas nos expressos desejos de matar seus pais, apesar de também amá-los. Dualidades vividas desde tenra idade, sem solução na vida adulta. Revela-se um adulto fora de seu tempo, inadaptado, numa eterna busca de si mesmo, através do resgate de sua criança ferida.
A solução encontrada pelo diretor, para estas buscas de seus personagens, foi a da fantasia da redenção para toda a humanidade, num lugar onde figuras humanas reencontram-se em harmonia e felicidade. Um paraíso construído à partir do ideal humano de transcendência. Um ideal sem fundamento. Pois para atingi-lo, precisaríamos passar pelo aprendizado do amor incondicional e pelo perdão. Como atingir tal evolução sem uma luta diuturna, para ultrapassar tantas limitações e incapacitações humanas que estão impregnadas em todos nós? Não existe transcendência sem um trabalho braçal evolutivo. É preciso cultuar a expansão da consciência para aumentar nosso poder de percepção. Isto não se processa como que por milagre, como o sugerido pelo filme. A liberdade transcendente tem que passar pelo resgate da liberdade individual, num mundo, onde de longe, isto é quase que praticamente impossível. Não sabemos, nem ao menos, trilhar caminhos para o auto-conhecimento. Nosso desejo de evolução recai invariavelmente para o mundo da fantasia. A fantasia de transcendência constitui-se em nossa maior prisão evolutiva.
Ao tentar unir as dualidades e os opostos, que afinal se complementam, nosso diretor sugere um caminho de paraíso, onde humanos, sem possibilidades de acessar novas formas, inclusive físicas de evolução, vagueiam sem sentido de um lado para o outro. Uma noção de harmonia e transcendência diminuta, em relação à proposta grandiosa de compreensão do sentido da vida e da existência humana. Os caminhos para estas novas etapas evolutivas não estão disponíveis para a humanidade, no momento, nem no imaginário destes grandes artistas que realizaram o filme. Chegará um dia em que nos aproximaremos de forma mais verdadeira, destas grandes dádivas prometidas – a liberdade e a transcendência.
PSICÓLOGA ELIANE DE ALMEIDA
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