Análise psicológica do filme CISNE NEGRO, de Darren Aronofsky, escrita pela querida psicóloga, Eliane de Almeida. Psicoterapeuta há mais de 43 anos e criadora da Fórmula Psíquica©. Você pode conhecer mais sobre o trabalho dela no Instagram: https://www.instagram.com/psicologaelianedealmeida/
ANÁLISE PSICOLÓGICA – CISNE NEGRO
Vivenciar poderia ser a palavra certa, para traduzir o impacto sensorial promovido pelas imagens e sons deste espetáculo.
Vivenciar nos lembra uma intimidade tal que nos confundimos com os personagens e seus significados.
Vivenciar de forma inebriante cada som e movimento em uníssono. Reportando-nos às nossas mais perturbadoras lembranças internas. Tornando vívido aquilo que queremos esconder, por não nos ser permitido.
Aqui estamos novamente de forma repetitiva e criativa deparando-nos com os conflitos básicos de nossa identidade. Somos seres duais. Estamos expostos e compelidos à dissociação psíquica e também física. Sujeitos à invasão criminosa dos padrões condicionados, que nos são impostos pelas expectativas parentais .
Todos nós temos guardados no âmbito de nossas mentes e almas, alem, é claro na memória de cada uma de nossas células, todas estas dores ao longo deste processo dissociativo. Esse processo dissociativo remete-nos à conflitos de identidade. Assim, divididos e adoecidos, perdemos a capacidade inata para a integração. Nestes conflitos de identidade, para integrar nossas partes separadas, somos lançados à uma árdua luta integrativa.
Nina, nossa personagem que reflete-nos como num espelho, revive para cada um de nós, nossa luta interna em prol da integração. Luta para salvar um EU partido. Cindido pelas polarizações, simbolizadas pelo cisne branco e pelo cisne negro.
Novamente, as polarizações máximas separadas em pólos opostos e colocadas na tela com intensidade ambígua, convida-nos como que num sonho quase que acordados a vivenciar eletrizados cada passo de Nina em seus prodigiosos : cisne branco e cisne negro. Cabe ao seu personagem A RAINHA DOS CISNES, a suprema vivência da integração. Porém a dança desta integração requer de sua dançarina a completude. A união dos dois cisnes, em todas as suas complexidades opostas. Nina, no entanto, sofre as dores do seu EU partido.
O cisne branco já vem envolto numa fragilidade, pureza, ingenuidade e feminilidade sensível e afetiva. Revela o bem, a luz. A Música e os movimentos são de uma delicadeza profunda de alma. Uma presença tênue, diáfana, quase que imperceptível, como numa dança transcendente de nossas almas. Nossos olhos e corações dançam juntos aqueles movimentos em uníssono, com o que há de mais belo em nossos interiores. Um êxtase envolvido por sensações e prazeres íntimos, quase que divinizados.
Esta é a faceta polarizada que lhe foi concedida por sua mãe. A frase “A doce e meiga NINA”, reforça no seu consciente toda a perversa maldição apreendida na infância, pelo seu inconsciente. Sua mãe projeta sua parte negada e quebrada, o cisne branco em toda a sua dimensão, no EU de Nina. Esta por sua vez a introjeta de forma quase que maciça quebrando em uma dolorosa divisão, seu EU interior. Ela expressa este conflito que a adoece, com vários sintomas: bulimia; síndrome de despersonalização e desrealização; estado regressivo; comportamento compulsivo com auto-mutilação. Ela se auto-mutila numa tentativa de sentir seu EU, pois este, encontra-se escondido, exilado em seu íntimo, e fora de sua percepção sensorial. Há uma foto de Nina vestida de cisne branco com o rosto partido, ilustrando este conflito de forma magistral. Ela parece uma boneca, desumanizada, com o rosto de porcelana partido, explicitando visualmente o EU partido.
Nina, adoecida pela divisão, que promove um corte sangrento em sua identidade, encontra dificuldades para incorporar seu oposto, o cisne negro. Este oposto lhe foi negado, pois sua mãe como dona desta outra metade da identidade o vivencia na sua forma mais trágica e angustiante. Ela dá vida à seu lado sombra(os instintos mais sombrios da humanidade), tentando colocá-los em tela para personificá-los e vivenciá-los. Vivencia-o também, em seu papel de mãe, ao não permitir que sua filha cresça e a supere.
O cisne negro personifica o lado negro da humanidade. Aquele que todos nós não assumimos e, portanto, queremos ocultar. Ocultamos por temer e desconhecer sua força. Este lado instintivo revela o mal, a sombra. A expressão agressiva dos impulsos, a sexualidade aflorada, os prazeres da carne, a gratificação dos desejos e a encarnação da força malévola. Temos tanta força neste lado que a tememos. Fugimos desta força como o diabo foge da cruz.
Está descrito o cenário em que Nina, nossa personagem e espelho, irá travar sua luta sem igual em prol da integração. É uma luta de extremos. Tudo pode acontecer neste vácuo entre o bem e o mal. As imagens mostram de forma poética esta luta: plumas pretas que surgem em meio à uma tela inundada de plumas brancas. O preto aparece de forma delicada, depois de forma mais presente, e numa dança de plumas elas entrelaçam-se.
Para Nina não será tão poética assim sua luta. Ela precisará mergulhar nas trevas. Mergulhar nos instintos. Mergulhar em sua força oculta e temida. Assim, terá que experimentar os extremos. Precisará sair de seus rituais de auto-mutilação para vivências desconhecidas. É neste clima que Nina conhece experiências extra sensoriais. Passa da realidade para o delírio. Seu chão não é mais contínuo e real. Sua mente projeta experiências polarizadas dos instintos. Precisa ir fundo, cada vez mais fundo, na sua capacidade de luta. Ir fundo nos seus instintos e experimentar o proibido. Sexo, drogas, competição astuta e brutal para defender seu papel(seu EU partido). Em seu camarim, testa sua força ao máximo ao projetar que para salvar-se teria que matar. E mata! E assim possuída de sua totalidade integrada pode sair, incorporar e dançar o cisne negro. Uma dança que em sua magia contagiante nos inebria com a metamorfose de Nina em cisne negro. Uma experiência sensorial onde dançamos e incorporamos este cisne negro em nossa pele também, tal qual Nina. Tatuamos em nossa pele nossos instintos sombrios e deles nos revestimos. Agora somos sombra e luz. Agora somos a força de um EU integrado tal como Nina. Para ela, o preço desta integração foi sofrer realmente no físico uma dor dilacerante, o vidro em seu ventre. Seu sangue jorrando literalmente. No psíquico a dor da dissociação, da quebra do EU, que a levou quase à loucura.
Metamorfose e mudança implicam em ultrapassar limites. Desafios do desconhecido, que pressupõem dor física e psíquica. Por isso, tememos lutar. Nina lutou por todos nós. Ela venceu. Venceu por todos nós. Assim ficamos com seu convite para as nossas próprias lutas. E o reforço do seu sucesso para o nosso sucesso. Incorporemos Nina em nós. Nós e Nina. Uma força única rumo à nossa luta integrativa e ao nosso sucesso.
PSICÓLOGA ELIANE DE ALMEIDA
CRP – 0832-01
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